Há muito que penso que a noção clássica de esquerda e direita em política é cada vez mais equívoca. Ultimamente têm vindo de vários sectores da chamada esquerda apelos à convergência da mesma esquerda. Estes apelos têm-me parecido despropositados, dadas as enormes diferenças ideológicas e programáticas das diferentes forças que se reclamam de esquerda. As diferenças não são de agora, vêm do tempo do próprio Marx, que fez questão de rotular de utópico o socialismo anterior e considerou que só o "seu" socialismo era científico. Em diversas alturas e em diferentes países houve tentativas de colaboração entre socialistas e comunistas, como nas frentes populares, mas modernamente tem-se assistido mais a rivalidades e a lutas políticas do que a colaborações, para não falar em convergência. Na realidade portuguesa actual não se vê como seria possível conciliar o programa do PS com o do PCP ou do BE a nível governamental, e muito menos, tendo em conta os resultados das últimas eleições legislativas, formar uma maioria de esquerda que teria de reunir estes 3 partidos. Até há cerca de meio século, a principal divergência entre partidos socialistas e partidos comunistas consistia na estratégia para atingir uma sociedade socialista com apropriação colectiva dos meios de produção. Enquanto que os comunistas defendiam uma apropriação rápida e violenta cujo resultado teria inevitavelmente de ser defendido através de uma ditadura do proletariado, os socialistas previam que tal resultado podia ser obtido por meios mais pacíficos, com nacionalizações dos sectores económicos mais importantes sem necessidade de convulsões violentas e mantendo o regime democrático. Hoje os comunistas mantêm o seu programa, embora evitem proclamá-lo claramente e nunca o mencionem na propaganda eleitoral. Os socialistas, por seu lado, aceitam hoje uma economia de mercado e apenas defendem um "estado social" que promova a redistribuição da riqueza de modo a tentar - como se tem visto nem sempre com êxito - proteger as classes mais pobres. Os comunistas querem destruir o estado burguês baseado no capitalismo, enquanto que os socialistas se resignam a suportar o capitalismo e mesmo a defendê-lo se necessário, apenas impondo limitações e regras para tentar domá-lo.
Estas considerações são certamente muito primárias e podem até conter algumas inexactidões. Com grande satisfação li hoje (segunda-feira, 19) o artigo de Saarsfield Cabral no Público em que muito melhor do que eu explica a impossibilidade da tal convergência de esquerda. Vale a pena ler.
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