segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Esquerda, esquerdas

Há muito que penso que a noção clássica de esquerda e direita em política é cada vez mais equívoca. Ultimamente têm vindo de vários sectores da chamada esquerda apelos à convergência da mesma esquerda. Estes apelos têm-me parecido despropositados, dadas as enormes diferenças ideológicas e programáticas das diferentes forças que se reclamam de esquerda. As diferenças não são de agora, vêm do tempo do próprio Marx, que fez questão de rotular de utópico o socialismo anterior e considerou que só o "seu" socialismo era científico. Em diversas alturas e em diferentes países houve tentativas de colaboração entre socialistas e comunistas, como nas frentes populares, mas modernamente tem-se assistido mais a rivalidades e a lutas políticas do que a colaborações, para não falar em convergência. Na realidade portuguesa actual não se vê como seria possível conciliar o programa do PS com o do PCP ou do BE a nível governamental, e muito menos, tendo em conta os resultados das últimas eleições legislativas, formar uma maioria de esquerda que teria de reunir estes 3 partidos. Até há cerca de meio século, a principal divergência entre partidos socialistas e partidos comunistas consistia na estratégia para atingir uma sociedade socialista com apropriação colectiva dos meios de produção. Enquanto que os comunistas defendiam uma apropriação rápida e violenta cujo resultado teria inevitavelmente de ser defendido através de uma ditadura do proletariado, os socialistas previam que tal resultado podia ser obtido por meios mais pacíficos, com nacionalizações dos sectores económicos mais importantes sem necessidade de convulsões violentas e mantendo o regime democrático. Hoje os comunistas mantêm o seu programa, embora evitem proclamá-lo claramente e nunca o mencionem na propaganda eleitoral. Os socialistas, por seu lado, aceitam hoje uma economia de mercado e apenas defendem um "estado social" que promova a redistribuição da riqueza de modo a tentar - como se tem visto nem sempre com êxito - proteger as classes mais pobres. Os comunistas querem destruir o estado burguês baseado no capitalismo, enquanto que os socialistas se resignam a suportar o capitalismo e mesmo a defendê-lo se necessário, apenas impondo limitações e regras para tentar domá-lo.

Estas considerações são certamente muito primárias e podem até conter algumas inexactidões. Com grande satisfação li hoje (segunda-feira, 19) o artigo de Saarsfield Cabral no Público em que muito melhor do que eu explica a impossibilidade da tal convergência de esquerda. Vale a pena ler.

sábado, 17 de outubro de 2009

Reformas

Os defensores do governo actual de Sócrates - ainda actual, mas nas últimas - costumam falar, como argumento acerca da bondade do dito governo, do ímpeto reformista ou simplesmente das reformas levadas a efeito ou iniciadas. Confesso que nunca percebi quais são essas reformas e que vantagem trouxeram para o nosso país. Tirando a reforma da Segurança Social, que veio evitar a ruptura a curto prazo do sistema por asfixia financeira, mas se limitou a aumentar as receitas à custa do contribuinte - à nossa custa - e reduzir as despesas baixando as pensões futuras, o que era indispensável do ponto de vista contabilístico mas está longe de ser muito meritório, dizia eu: tirando esta reforma, as restantes reformas apregoadas ou não foram sequer iniciadas ou tiveram resultados desastrosos. Veja-se o caso da reforma penal! A célebre reforma da Administração Pública ficou-se por pôr no quadro de excedentários (ou em situação semelhante com outro nome) alguns, poucos, funcionários públicos do Ministério da Agricultura e pouco mais. A despesa com funcionários públicos não sofreu redução, nem em termos nominais nem em termos reais nem sequer em percentagem do PIB.

Ainda hoje a Ministra da Educação falou com elogios da importância da reforma da educação que levou a cabo. Não sei bem em que constou tal reforma, mas pelos resultados não foi famosa. Que outros sectores foram reformados? Qual o sentido dessas reformas, em que consistiram, que objectivos tinham e que estado alcançaram? Nem o governo nem as oposições têm esclarecido essas questões. Que irá fazer o futuro governo agora em formação sobre essas reformas? Espero que o programa do governo elucide alguma coisa sobre este assunto.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Coincidências: Qimonda e ciclo eleitoral

Pelos vistos, não fui só eu que notei a notável coincidência de a Admnistração da Qimonda anunciar o despedimento de 590 trabalhadores logo a seguir ao fim do ciclo eleitoral que agora terminou. Este facto também é salientado aqui, aqui e aqui. Além do mais por virem afirmar que tal já estava previsto, não se percebendo então a surpresa revelada pela comissão de trabalhadores. Ou a dita comissão está muito mal informada (por culpa de quem a devia informar) ou o projecto de despedimento colectivo desta dimensão foi cuidadosamente escondido, não fosse dispor mal o povo votante.

Mas afinal, o Fernando Martins que se acalme, porque logo se veio a saber que afinal não são 590 mas apenas 490. Podemos todos ficar mais descansados...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Obama prémio Nobel!

Já se sabia que os prémios Nobel da literatura e da paz são concedidos segundo critérios políticos (Felizmente os prémios Nobel das áreas científicas não parecem sofrer desta pecha!). Mas agora fica-se a saber, ou melhor, a confirmar, a área política a que obedece o prémio da paz: a da esquerda. Obama prémio Nobel? Que fez ele de notável nesse campo para além de promessas ainda não concretizadas? Que paz conseguiu, em que país? Que acordos alcançou? Que tratados promoveu ou assinou? O anúncio oficial do prémio era aliás indicativo de que se tratava de premiar esforços, promessas, tentativas. O que parece evidente é que se trata de exercer uma forte pressão para que Obama retire rapidamente do Iraque, não mande mais tropas para o Afeganistão e chegue com urgência a acordos com o Irão. A concessão do Nobel não vem, neste caso, premiar o que se fez, mas sim indicar o que tem de ser feito, sob pena de perda de dignidade e de aceitação internacional, pelo menos junto dos sectores que aplaudiram a eleição de Obama pelas esperanças, ainda não concretizadas, de inflecção total da política internacional dos Estados Unidos.

Depois de escrever este postal, encontrei este outro, com o qual estou 100% de acordo.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Cristaloterapia

Gosto de cristais e até tenho uma pequena colecção de cristais e outros minerais. Incentivo mesmo os meus netos a fazerem as suas colecções. Aprecio a beleza dos cristais e gosto de os observar e estudar. No entanto acho que a atribuição de propriedades curativas ou energéticas aos cristais não passa de pura superstição ou mesmo charlatanice.

Há dias, com o meu jornal vinha um número "oferta" da revista Executive Health & Wellness, Excelência em Saúde (ano 2, n.º 14). Tirando o facto de o título da revista ser demasiado comprido e a bacoquice de estar em parte em inglês (porquê, se é, segundo parece, uma revista portuguesa, totalmente escrita em português, feita por portugueses?), pareceu-me uma revista bem feita e com artigos interessantes, mesmo para mim que não sou executivo nem profissional de saúde.

Porém fiquei espantado ao encontrar no final da revista um artigo que fugia totalmente ao estilo sério e científico do resto da revista: "Reequilibre-se com a cristaloterapia". A leitura do artigo confirmou os meus receios. Afirmações como "A [crislalo]terapia intervém no tratamento de todos os corpos energéticos (mental, psíquico, energético, espiritual), afirma a terapeuta de cristaloterapia Maria Santa"; "os seres humanos têm centros energéticos conhecidos em medicina ayurvédica por chakras e em medicina chinesa por meridianos, pontos essenciais na circulação e equilíbrio da energia, que podem determinar a saúde ou doença do organismo."; "O cristal envia a energia que possui para os nossos corpos, sendo por sua vez, um aspirador da nossa má energia" deixam muitas dúvidas sobre a base científica da cristaloterapia. No final do artigo há uma série de "Sugestões de pedras para...". Cito apenas a última, como exemplo: "-Combater as insónias - pirites de ferro, estaurolite, turmalina, ametista, crisópraso, quartzo defumado".

Cada um tem liberdade de acreditar no que quiser. Há quem acredite em rezas, quem consulte astrólogos ou magos, quem se trate com ervas, com pedras, com aromas ou com mezinhas. O que estranho é que este artigo tenha aparecido numa revista de carácter científico sem qualquer comentário que o distinga dos artigos mais conformes com a medicina convencional como ramo científico.

domingo, 4 de outubro de 2009

Ignorância ou distracção?

São só dois exemplos recentes, mas se eu quando leio o jornal ou ouço televisão tivesse sempre um caderno e um lápis à mão poderia coleccionar muitos mais: São os disparates que lemos e ouvimos quase diariamente nos meios de comunicação.

Anteontem, a jornalista Clara de Sousa, que considero uma das jornalistas mais competentes das nossas televisões, estaria distraída ou mal informada: A propósito de um tremor de terra na Sicília, que atingiu particularmente a cidade de Messina, referiu a destruição na "cidade da Sicília". Ora a Sicília não é uma cidade, é uma ilha que constitui uma região autónoma da Itália, sendo Messina a cidade sua capital.

Hoje, o jornal Público publica a seguinte notícia curta (página 21): «A Presidente da Argentina, Cristina Kirchner, reivindicou ontem "direitos legítimos" de soberania do seu país sobre as ilhas Maldivas, num discurso perante familiares de soldados mortos na guerra de 1982 contra o Reino Unido.» Ora como seria possível que a Argentina reivindicasse direitos sobre uma república independente constituída por um arquipélago situado a sul da Índia? Claro que a presidente da Argentina se referia às Malvinas e não às Maldivas.

Em ambos os casos, qualquer olhadela a um mapa-mundi ou uma pesquisa no Google revelaria o erro. É necessária mais atenção.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Teoria de Darwin posta em dúvida na TV


A divulgação dos resultados de estudos sobre a "nossa mais antiga antepassada", uma fêmea de Ardipithecus ramidus, tem preenchido justificadamente espaço jornalístico e televisivo (não sei se também radiofónico, mas imagino que é possível). Mas fiquei deveras curioso com a afirmação ouvida num canal de TV, que infelizmente não posso identificar por não ter reparado qual era, de que estes estudos "vinham pôr em causa a teoria de Darwin". O restante da notícia, de tão resumido e confuso, não me permitiu saber como e porquê a teoria da selecção natural vinha a ficar prejudicada pela descoberta. Só a leitura posterior do artigo sobre o mesmo assunto inserto no Público veio a revelar que a falência da teoria de Darwin não passava de confusão do jornalista. O que afirma no Público é: «E hoje, uma equipa multidisciplinar de 47 cientistas, oriundos de dez países, publica na revista Science nada menos do que 11 artigos descrevendo os resultados - alguns dos quais põem em causa ideias estabelecidas da história evolutiva dos grandes símios e dos homens.» Mesmo que alguma destas "ideias estabelecidas" tenha sido estabelecida por Darwin, o que é duvidoso dado o extraordinário desenvolvimento que a teoria da evolução teve desde as suas origens, dizer que é a teoria de Darwin que está em causa não é só um exagero, é um tremendo disparate.

Esquerda e idiotas úteis

Vale a pena ler a opinião de O Lidador no blog Fiel Inimigo sobre posições aparentemente incoerentes da esquerda. Veio esclarecer dúvidas minhas antigas.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Especular é preciso (do blog Corta-fitas)

Falta-me o tempo e a paciência para escrever aqui. Não faltaria matéria para comentar.
Limito-me a transcrever, com a devida vénia, a seguinte mensagem do Corta-fitas:

«Para que não se julgue que eu não sou capaz de fazer também especulações políticas de fino recorte, aqui vai. Cavaco recebe Sócrates amanhã, faz depois a ronda pelos partidos e diz então ao secretário-geral do PS: “Já percebi que não consegue formar coligações, nem sequer garantir apoio maioritário para o seu Governo no Parlamento. Tratou tão mal os outros partidos quando tinha maioria absoluta que agora eles não o querem ver nem pintado e não adianta pedir batatinhas. Além disso, não confio em si a nível institucional. Por isso, o seu partido que arranje outro para eu nomear primeiro-ministro. Podem ser o Teixeira dos Santos ou o Vieira da Silva, que talvez não se vistam tão bem como o senhor, que podem até não ter penteados tão bonitos, mas pelo menos percebem minimamente como se governa. Ah, não querem? Então presidencializo já isto e nomeio o Professor Luís Campos e Cunha, personalidade independente de reconhecidos méritos, para formar Governo.”


publicado por Duarte Calvão»

O seguinte comentário, de Pedro Correia, dá mais sabor ao postal:

«Duarte, tens que te esforçar um pouco mais nesta tua nova faceta de criador de factos políticos. Porquê Luís Campos e Cunha, um homem que entrou em depressão ao fim de três meses no Governo, e não Henrique Medina Carreira, 'lui même'?
Convenhamos que seria tudo bem mais divertido.»

A consideração que me merece Henrique Medina Carreira, cujo espírito lúcido já aqui louvei, leva-me a acrescentar que, se fosse possível, só não resultaria porque Medina Carreira não conseguiria arranjar ministros para o seu governo (ia a escrever "ministros à altura", mas retirei o "à altura porque ninguém mesmo teria o espírito de sacrifício de integrar tal governo).