quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Prioridades

O Governo decidiu legislar sobre a definição de prioridades no acesso a serviços e estabelecimentos privados. A lei já foi aprovada em Agosto, mas só agora, que entrou em vigor, foi devidamente publicitada. Em princípio não tenho nada a objectar, parece-me mesmo útil e justo. Mas tenho duas observações a fazer sobre a oportunidade e o modo.

No que se refere à oportunidade, questiono se a definição de prioridades será prioritária. Parece-me que o Governo, além do trabalho imenso que tem tido a reverter as leis do Governo anterior, pouco tem feito. Pois há muito por fazer, nomeadamente as célebres reformas, estruturais ou mesmo não estruturais, que todos dizem que são indispensáveis para pôr o País a crescer, mas que nunca mais são feitas. Perder tempo a legislar sobre estas minudências, como definir quem pode passar à frente numa bicha do supermercado, só atrasa um trabalho sério e de base. Talvez o actual Governo não seja capaz de o fazer, mas deveria então dar lugar a outros mais capazes.

Quanto ao modo, parece-me deixar a desejar. A maior parte do comércio a retalho já tinha resolvido satisfatoriamente a questão das prioridades, nomeadamente reservando algumas das  caixas para atendimento prioritário. Com grande surpresa, ouvi um responsável de uma grande superfície dizer que no seu estabelecimento ia agora deixar de haver caixas prioritárias, pois em todas as caixas seria dada prioridade aos casos definidos na lei. Será esta uma interpretação correcta da lei? A ser verdade, parece-me muito errado. Muitos casos haverá de pessoas com alguma dificuldade, como os maiores de 65 anos que não apresentam debilidade visível, mas que lhes custa estar longos períodos de pé. Para não correrem o risco de serem ultrapassados por vários clientes acompanhados de crianças de colo ou por senhoras grávidas, não recorrerão em muitos casos às caixas prioritárias. Deixando de haver estas caixas, ficam sempre sujeitos a ter de ceder o lugar, mesmo que lhes custe. Por outro lado, pode sempre haver dúvidas sobre a idade das crianças que podem conferir prioridade aos pais ou acompanhantes, sobre a deficiência que pode justificar ou não a prioridade. Terão os clientes com esse direito de andar sempre acompanhados de documentos que provem o seu direito? Se a lei pretende definir para evitar questões, é provável que o resultado venha a ser o contrário.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Optimismo irritante

A opinião expressa pelo Ministro da Economia de que a revisão em alta do crescimento do PIB que consta da última projecção do Banco de Portugal (da projecção anterior de 1,1% para a actual de 1,2%) é uma "boa notícia" revela que Manuel Caldeira Cabral se deixou contagiar pelo optimismo irritante do Primeiro-Ministro, já que omitiu que no mesmo boletim o BP revê em baixa a projecção para 2017, de 1,5% para 1,4%, abaixo da previsão do Governo.

Uma ideia original, mas pouco oportuna

Se Rui Rio pretende disputar, quando chegar a altura própria e apenas se houver uma série de condições prévias, a liderança do PSD, deu, quanto a mim, um passo em falso ao propor um novo imposto consignado ao serviço da dívida. É certo que, como explicou bem, a carga fiscal não aumentaria, visto que haveria uma redução no mesmo montante de outros impostos, como o IVA, o IRC e/ou o IRS. Mas psicologicamente, o simples facto de se propor a criação de um novo imposto conduz a uma atitude de desconfiança, quando não de repúdio. E há uma certa razão para isso: que garantia pode haver de que no futuro se manterá uma redução nos impostos antigos sempre de igual valor ao do novo imposto? Mesmo que o governo que viesse a criar o novo imposto, que poderemos designar como IRR (imposto Rui Rio), visto que já há o antecedente do MORT, fosse de uma honestidade exemplar, haverá sempre o perigo de os governos subsequentes aproveitarem para fazer à socapa um aumentozinho disfarçado. Por outro lado, que vantagem há em ter um imposto especialmente criado para uma determinada despesa? Se exista alguma vantagem que eu não consigo descortinar, então porque não se separam os impostos pela sua finalidade em vez de pelo acto que o justifica e pelo tipo de cobrança: por exemplo, um imposto para as despesas de saúde, um imposto para as despesas de educação, um imposto para as despesas militares, e assim por diante? Seria evidentemente disparatado e levantaria muitas dificuldades. Teria de se cobrar o imposto para a saúde aos contribuintes saudáveis, o para a educação e quem não tem filhos em idade escolar... Tudo isto levaria e protestos. O IRR também levantaria protestos pelo menos dos que advogam que a dívida deve ser renegociada ou até não deverá ser paga. Parece-me que, como primeira proposta concreta de um candidato a líder de um partido que poderá chegar a Primeiro-Ministro, se trata de uma ideia escusada e inconveniente.

sábado, 10 de dezembro de 2016

Afinal havia alternativa

É já um lugar comum a afirmação de que os partidos que governaram Portugal durante a crise, a que a esquerda chama "a direita", diziam que não havia alternativa à sua política de austeridade e, segundo o discurso de esquerda, "de empobrecimento". Diziam que não havia alternativa para se justificarem e para tentarem perpetuar-se no poder. E afinal, segundo este discurso, a realidade actual veio provar que ao fim e ao cabo havia alternativa: aí está, um Governo de esquerda, a chamada geringonça, com a sua política diferente, sem austeridade, sem empobrecimento.

Este discurso baseia-se numa falácia. Talvez em várias falácias. Vejamos: Em primeiro lugar, o período em que a coligação PSD/CDS-PP governou não foi um período normal, a crise e as condições de resgate (negociadas pelo PS) impunham regras apertadas. A austeridade foi uma imposição causada pelo descalabro do Governo socrático. Mas, mesmo sem resgate e sem troika a vigiar-nos, a situação financeira tornava necessárias, só por si, medidas duras de recuperação e consolidação orçamental. Nessas circunstâncias não havia alternativa. Ou melhor, as alternativas seriam muito piores. Em segundo lugar, não houve empobrecimento real, já éramos pobres mas não dávamos por isso porque vivíamos artificialmente acima das nossas possibilidades (como em tempos aqui escrevi várias vezes), como se prova pelos défices crescentes do período anterior à declaração da crise. Vivíamos com dinheiro emprestado.

A situação após a saída do resgate é muito diferente e permite políticas diferentes. A reversão dos cortes e das sobretaxas nos impostos já estava prevista no programa eleitoral da coligação, apenas a um ritmo mais cuidadoso do que a geringonça está a praticar. Ao forçar a velocidade de repor os valores dos salários da função pública e das pensões, assim como da retirada da sobretaxa do IRS, o Governo do PS necessitou de impor uma nova austeridade, mais baseada nos impostos indirectos, mas não menos penosa, excepto para os sectores beneficiados pelas reversões. É esta a celebrada alternativa. Entretanto, António Costa rejubila por conseguir que a UE aceite os seus orçamentos e cumprir os défices admitidos, mas a economia ressente-se, o crescimento é anémico e muito longe do prometido, o investimento caiu, a dívida cresce. Não há dúvida: é uma bela alternativa.