sábado, 31 de janeiro de 2015

Pobreza

A publicação recente pelo INE do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento relativo a 2013 revela que, nesse ano, "o risco de pobreza continuou a aumenta". Tanto bastou para um enorme coro de críticas ao Governo, nomeadamente por ter anunciado que a situação económica dava já sinais de recuperação. Alguns órgãos de comunicação notaram que os dados eram referentes a 2013, mas muitas das notícias, nomeadamenteem vários canais de televisão, ignoraram esse "pormenor"e deram a notícia como se fosse uma situação actual. Além disso muitas referências ao assunto esquecem que se trata de um risco e não necessariamente de pobreza efectiva. Esperemos pelos dados de 2014 para poder avaliar se realmente a pobreza continua a aumentar em Portugal.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Limpeza preferível a conselhos

Um dos primeiros actos do novo governo grego é, segundo uma notícia televisiva, reintegrar as 600 empregadas de limpeza do Ministério das Finanças. Ao mesmo tempo, o ministro Varoufakis dispensa os conselheiros do ministério. Foi certamente uma medida acertada: Para Varoufakis a limpeza é preferível a conselhos sobre finanças. Calculo que os conselheiros do anterior ministro teriam ideias que não agradariam ao novo titular da pasta, ao passo que a preocupação pela limpeza é sempre de louvar. Só gostava de saber quantos gabinetes, salas e outras dependências terá o ministério para ocupar este pessoal.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A matemática é implacável 2

Depois de apresentar o seu governo no parlamento grego, o Siriza terá de gizar e fazer aprovar o seu o seu programa e logo um orçamento que respeite esse programa. Não conheço a lei grega, mas suponho que o orçamento terá de obter a aprovação formal do parlamento. Como o governo é maioritário, esta aprovação não deve ter problema, mesmo que um ou vários deputados discordem de alguns pontos, desde que essa eventual discordância não envolva mais de 11 deputados (se o número de deputados dos dois partidos somados é o que foi anunciado). O busilis está na matemática. Dêem-lhe a volta que derem, a receita e a despesa terão de se equilibrar, sendo a sua diferença, se negativa, de ser financiada por empréstimos ou por dívida.

receita = despesa - défice

Se a despesa aumentar, ou seja, se o estado for menos austero, a receita ou o défice, ou ambos, terão de crescer. Do pouco que sei do programa do Siriza, e embora do programa do seu parceiro de coligação eu não saiba absolutamente nada, vários pontos implicam aumento de despesa e poucos permitem aumento de receitas (que me recorde, apenas a "taxa sobre as grandes propriedades e casas de luxo" e eventualmente o combate à evasão fiscal). Se mesmo em austeridade a Grécia tem tido défices, não parece possível, sem austeridade, preparar um orçamento sem défice. É a matemática. Resta, portanto, saber como conseguirá Tsipras convencer a UE, o BCE ou o FMI ou então investidores particulares a financiar esse défice e a que preço.

A matemática é implacável

Austeridade é a qualidade de quem é austero, sóbrio, frugal. Nos tempos de hoje tem-se entendido como a arte de ser poupado, gastar pouco dinheiro. Quem tem pouco dinheiro para gastar e pouca possibilidade de pedir emprestado tem de ser forçosamente austero.

Não é ainda conhecido o programa do novo governo grego, mas uma coisa é certa: Será um programa que rejeita a austeridade. Foi esta rejeição a principal causa da vitória do Siriza e ainda a razão da escolha do parceiro de coligação. Resta saber como poderá Tsipras fugir da austeridade sendo certo que a margem financeira é escassa. Mesmo que, por absurdo, toda a enorme dívida fosse perdoada, Tsipras precisa de financiemento para pagar as obrigaçõe internas do governo, incluindo os salários dos numerosos (ao que consta) funcionários públicos, financiamento que será ainda muito mais difícil se houver perdão da dívida. Quem vai emprestar dinheiro a alguém que não paga os empréstimos?

Aguarda-se com ansiedade os próximos capítulos.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Ainda a liberdade de expressão: Francisco e Cameron

Volto à questão da liberdade de expressão e à opinião do Papa Francisco sobre os seus limites para notar que estou muito mais de acordo com o que disse Cameron sobre o assunto do que com o Papa. Segundo a Visão, Cameron terá afirmado que "numa sociedade livre existe o direito de ser ofensivo com a religião dos outros". Concordo e verifico que Francisco não é adepto duma sociedade livre. O exemplo que deu sobre o castigo que daria se o Dr. Gasbarri ofendesse a sua mãe é demonstrativo que, embora considere que matar em nome de uma religião é uma aberração, acha normal aplicar castigos físicos e violência para castigar ofensas. Para mim isto também é uma aberração.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Limites à liberdade de expressão segundo o Papa

O Papa Francisco considera que "Não podemos provocar, não podemos insultar a fé dos outros, não podemos ridicularizá-la". No entanto, afirma também que "matar em nome de Deus" é "uma aberração". Quanto a mim, o Papa não deveria misturar estas duas considerações na mesma ocasião. Assim, dá a entender que a provocação, o insulto oua  ridicularização da fé, qualquer que ela seja, não devem ser permitidos, deve portanto ser reprimidos e por ventura castigados. Ao recusar a morte como castigo, não exclui outros tipos de punição. Será que o Papa já não considera uma aberração penas de prisão ou mesmo vergastadas para quem comete tais pecados? No caso concreto do jornal Charlie Hebdo, que castigo seria, segundo Francisco, o mais adequado? Quais os insultos que são proibidos? Será segundo o critério dos fieis da fé em questão? Portanto se para os fieis do Islão é insultuoso representar o profeta, os que não seguem essa religião terão de respeitar essa regra em qualquer país? Isto estendido a todas as confissões religiosas não levará a limites demasiado apertados à liberdade de expressão, que o Papa considera um "direito fundamental", embora sujeito a limites? Claro que há limites à liberdade de expressão, mas estes limites são os que estão na lei, nomeadamente os referentes à difamação ou à difusão de segredos de Estado, e são julgados nos tribunais, não podendo ser objecto de punição sem julgamento.

domingo, 18 de janeiro de 2015

Ofensas

Quando afirmei que para assassinos não pode haver desculpas, deixei em suspenso se achava razoável algum outro tipo de punição, que não a morte, para a ofensa que as caricaturas do Charlie Hebdo representaram para os islamistas. A resposta é não. Os desenhos podem ser de mau gosto, podem ser ofensivos para alguns, podem ferir a sensibilidade de outros, mas não me parece que tal possa ser motivo de qualquer punição, até porque o mau gosto, o ser ofensivo, o ferir a sensibilidade, são tudo aspectos subjectivos. Principalmente no que se refere às ofensas, por exemplo por publicação de desenhos que representam Maomé, que têm sido apontados por muitos muçulmanos como inadmissíveis e portanto passíveis de reacção punitiva ou outra, é evidente que os não muçulmanos não se sentem nada ofendidos. Não só o jornal satírico Charlie Hebdo, mas também outros meios têm publicado ao longo dos anos desenhos ou textos que podem ser ofensivos para uns, mas são inofensivos para outros. Nos últimos anos da monarquia constitucional, os desenhos satíricos que criticavam, por vezes de forma violenta, os políticos da época e mesmo a família real eram frequentes e provocavam reacções, mas nada que se possa comparar com o comportamento a que assistimeos agora. Mais recentemente, lembramo-nos todos do célebre desenho de António que representou o Papa João Paulo II com um preservativo pendurado do nariz.


Como é ntural, esta caricatura levantou protestos enérgicos. Mesmo para mim, que não sou católico, parece-me um desenho ofensivo. Mas ninguém sonhou em ir atacar o autor com uma Kalashnikov. Nem António nem o jornal que publicou a caricatura sofreram qualquer punição.

Consideremos agora outro desenho: A capa do número pós-atentados do Charlie Hebdo.



Para mim, de ofensivo não tem nada. O senhor representado, que pode ser Maomé, tem um aspecto simpático e até chora ao que pafrece por causa de mortes violentas. Os muçulmanos ou alguns muçulmanos declararam-se ofendidos, não sei se pela simples razão de reprentar o profeta, o que parece ser proibido para os islamistas (Nem sempre o foi!), ou se por o associar ao jornal Charlie Hebdo. Cada um tem todo o direito de escolher os motivos que o ofendem. Mas não pode obrigar os que pensam de modo diferente a sentirem-se também ofendidos ou a evitar de fazer o que bem entendem e que é legal só por isso ofender outras pessoas. Quem se sente ofendido por um jornal publicar algo de que não gosta tem sempre a posibilidade de não comprar nem ler esse jornal. Se num país ou numa dada região a cultura ou a religião predominantes são tais que o jornal ofende a maioria, é compreensível que as autoridades locais limitem ou mesmo proibam a venda desse jornal. Digo compreensível, mas mesmo assim, não acho aconselhável, já que só compra o jornal quem quer, e as minorias também têm direitos. Mas reclamar que este não pode ser publicado em países ou regiões onde a maioria dos habitantes não se sentem ofendidos, é pura e simplesmente querer mandar nos outros.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

União

O Presidente François Hollande apelou à união para a grande manifestação que ontem decorreu em Paris. E houve união. Todos os meios de comunicação e muitas das pessoas entrevistadas salientaram que participaram na marcha cristãos, muçulmanos, judeus, pessoas de outras religiões e sem religião, mesmo israelitas e palestinianos lado a lado, assim como manifestantes politicamente de esquerda e de direita (com a excepção dos correligionários da Frente Nacional). Contudo, sem negar que tal união foi positiva para demosntrar a vontade colectiva de condenar o massacre, é estranho que ninguém tenha comentado que o objectivo da manifestação tenha sido definido de muitos modos diferentes. Para já a marcha foi anunciada como "republicana", apesar da presença dos primeiros-ministros britânico e espanhol (que não consta que sejam republicanos) e mesmo do rei e da rainha da Jordânia. Quanto ao que fez comparecer tanta gente, ao objectivo, referiu-se "mostrar união", "homenagiar as vítimas"  ou manifestar "solidariedade às vítimas" dos ataques, "defender a liberdade de imprensa" ou (de modo mais abrangente) "a liberdade de expressão", "demonstrar o seu amor pela liberdade", declarar-se "contra o terrorismo e apoiar a liberdade e a democracia", "condenar" ou "rejeitar" o terrorismo". Claro que se pode defender que tais objectivos não são contraditórios, mas o que é certo é que já houve críticas por alguns dos dirigentes internacionais que se juntaram à marcha não permitirem, nos seus países, uma plena liberdade de expressão.

Anita Ekberg

1931 - 2015

Uma das mais belas mulheres do cinema.


sábado, 10 de janeiro de 2015

Não pode haver desculpas para assassinos

Ontem nada consegui escrever sobre o atentado de Paris. Entretanto já toda a gente disse tudo o que eu poderia ter dito e o seu contrário. Vamos a ver: Quanto a mim o que ocorreu foi um assassinato, um massacre. E isto é horrível e condenável, qualquer que tenha sido o pretexto. Por outro lado é completmente injustificado, tendo agora em conta o que motivou o crime: desenhos publicados por um jornal. Não interessa, para a condenação do acto, que os desenhos tenham sido bem ou mal feitos, que sejam críticos ou injénuos, que sejam ofensivos ou não. O simples facto de cometer o massacre para castigar (ou retaliar) pela publicação de desenhos é horrível e incompreensível para a nossa cultura. E aqui encontra-se o cerne da questão: a liberdade de imprensa. E também a liberdade de opinião. Os desenhos eram vistos como ofensivos para alguns. Podiam protestar, responder com críticas ou com outros desenhos. Se além de ofensivos fossem difamatórios, poderiam apresentar queixa, mas não sendo o caso não sei se na lei francesa ou de qualquer outro país ocidental existirá qualquer impedimento legal à sua publicação. Não interessa a qualidade dos desenhos. Argumentar que não se devem publicar desenhos ofensivos para alguém ou que os desenhos eram de mau gosto não interessa para este caso. Nada pode desculpar um assassinato.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Brandos costumes

Algumas notícias sobre casos que envolvem casos judiciais, sentenças ou penas causam perplexidade. A par de algumas condenações que parecem, pelo menos à primeira vista, demasiado pesadas, há outras decisões que espantam pela sua brandura. Ainda hoje dei com dois exemplos nas notícias ouvidas na TV: Um casal que foi apanhado a roubar joias de uma moradia, para o que tinham partido os vidros de uma janela, e em cuja posse se encontraram 10000 euros em objectos de prata e ouro, foi detido, mas, depois de ouvido pelo juiz, ficou em liberdade. Que quantia será preciso roubar para ter direito a ir para a prisão? Um rapaz de 23 anos foi detido pela 11.ª vez a conduzir sem carta. Só em 2014 tinha sido apanhado 9 vezes por esse motivo. Pelos vistos, de cada vez que é apanhado não fica muito tempo detido. Não seria razoável, para este como para outros crimes, que a pena fosse agravada de cada vez que há reincidencias?

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Grécia: Sair ou não sair, eis a questão

A crise política na Grécia, a acrescentar à crise financeira, à crise económica que desta resultou e à crise social que foi causada pelas duas, provoca justificada apreensão em toda a Europa e particularmente na zona euro. Mas há controvérsias que me parece estarem levando a reacções exageradas. Por exemplo, quando Miguel Sousa Tavares considera que Angela Merkel está a exercer uma pressão inaceitável sobre a Grécia por ter dito que se se tornar inevitável a saída do país da moeda única isso já não criará uma situação impossível de gerir e, para além disso, quando acha que a reacção dos mercados ao provocar quedas nas bolsas de diversos países é também uma forma de pressão inaceitável, está a dar demasiada importância à reacção da chanceler alemã e a considerar os mercados como uma entidade com vontade e intenções próprias. Aliás até concordo com Merkel em que uma eventual saída da Grécia do euro hoje já não será tão grave como teria sido se tivesse ocorrido há um ano ou mais. Será sempre um golpe, terá sempre consequências, mas se os restantes países do euro se mantiverem firmes não resultará perigo grave para a sobrevivência da moeda única. As recentes declarações de Tsipras em como não tenciona pedir uma saída do euro contribuem certamente para acalmar os piores receios.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Separação de poderes

A separação de poderes é uma das pedras basilares da democracia moderna. Alguém que já foi primeiro-ministro e presidente da república deveria estar bem ciente deste princípio e, mais do que estar ciente, deveria respeitá-lo escrupulosamente. Espanta, portanto, a declaração hoje divulgada de Mário Soares de que o Presidente Cavaco Silva deveria intervir ou pelo menos dar a sua opinião sobre a prisão de José Sócrates. Nunca um Presidente da República poderá legitimamente intervir num caso entregue à justiça e muito menos que estando em investigação por suspeita de crime, seja o suspeito quem for. Com a elegância de um elefante numa loja de porcelanas, Mário Soares acrescenta uma ameaça concreta, dizendo que a mesma sorte poderá acontecer a Cavaco quando terminar o mandato. Que crimes suspeitará Soares que Cavaco possa ter cometido para ser preso quando deixar o posto? Soares afirma com toda a convicção que nenhuma prova consta do processo de Sócrates. Como pode sabê-lo? Consultou o processo? Se fosse o caso, divulgar a ausência de provas seria já uma violação do segredo de justiça, mas é evidente que Soares não conhece o conteúdo do processo, que até Sócrates diz desconhecer.

Por piedade para com um nonagenário que parece já não ter a totalidade das suas faculdades mentais, eu tinha pensado poupar as críticas a Mário Soares e às suas declarações, mas perante a gravidade destas últimas afirmações não me pareceu poder continuar calado.