sábado, 10 de dezembro de 2016

Afinal havia alternativa

É já um lugar comum a afirmação de que os partidos que governaram Portugal durante a crise, a que a esquerda chama "a direita", diziam que não havia alternativa à sua política de austeridade e, segundo o discurso de esquerda, "de empobrecimento". Diziam que não havia alternativa para se justificarem e para tentarem perpetuar-se no poder. E afinal, segundo este discurso, a realidade actual veio provar que ao fim e ao cabo havia alternativa: aí está, um Governo de esquerda, a chamada geringonça, com a sua política diferente, sem austeridade, sem empobrecimento.

Este discurso baseia-se numa falácia. Talvez em várias falácias. Vejamos: Em primeiro lugar, o período em que a coligação PSD/CDS-PP governou não foi um período normal, a crise e as condições de resgate (negociadas pelo PS) impunham regras apertadas. A austeridade foi uma imposição causada pelo descalabro do Governo socrático. Mas, mesmo sem resgate e sem troika a vigiar-nos, a situação financeira tornava necessárias, só por si, medidas duras de recuperação e consolidação orçamental. Nessas circunstâncias não havia alternativa. Ou melhor, as alternativas seriam muito piores. Em segundo lugar, não houve empobrecimento real, já éramos pobres mas não dávamos por isso porque vivíamos artificialmente acima das nossas possibilidades (como em tempos aqui escrevi várias vezes), como se prova pelos défices crescentes do período anterior à declaração da crise. Vivíamos com dinheiro emprestado.

A situação após a saída do resgate é muito diferente e permite políticas diferentes. A reversão dos cortes e das sobretaxas nos impostos já estava prevista no programa eleitoral da coligação, apenas a um ritmo mais cuidadoso do que a geringonça está a praticar. Ao forçar a velocidade de repor os valores dos salários da função pública e das pensões, assim como da retirada da sobretaxa do IRS, o Governo do PS necessitou de impor uma nova austeridade, mais baseada nos impostos indirectos, mas não menos penosa, excepto para os sectores beneficiados pelas reversões. É esta a celebrada alternativa. Entretanto, António Costa rejubila por conseguir que a UE aceite os seus orçamentos e cumprir os défices admitidos, mas a economia ressente-se, o crescimento é anémico e muito longe do prometido, o investimento caiu, a dívida cresce. Não há dúvida: é uma bela alternativa.


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