domingo, 7 de maio de 2017

Duas mães

Notícia sensacional: "Uma criança já pode ter duas mães biológicas". "Uma criança pode ter duas mães biológicas, diz regulador". O parecer do regulador é, ao que ouvi, vinculativo, será portanto legal. Não sou versado em leis, mas também a lei permite, que eu saiba, que eu voe liberto da lei da gravidade, que essa não vem em qualquer código legal. Mas prefiro não experimentar, porque moro num andar alto e posso não sobreviver. A lei legal pode opor-se às leis físicas, mas não pode suprimi-las. Ter duas mães biológicas pode ser legal (e talvez até um dia possa tornar-se cientificamente possível) mas ouvindo a notícia integralmente não é disso que se trata.

As notícias têm dois erros: 1) Pela técnica descrita a criança terá uma mãe biológica, a que doa o ovócito, um pai biológico, mesmo que anónimo, o dador do espermatozóide. No processo intervém uma terceira pessoa, a que cede a barriga para incubação do bebé. Não é uma barriga de aluguer porque não é alugada, mas cedida graciosamente. Não se trata de uma gestação de substituição no sentido definido pela lei, porque neste "a grávida não tem qualquer direito parental sobre a criança que vai nascer". O parecer inventou o nome de "fertilização recíproca", o que me parece um completo disparate porque a fertilização será provavelmente in vitro e nada tem de recíproco, mas todo o material genético que moldará a criança vem dos dois dadores que são os progenitores biológicos, apenas eles. A que cede a barriga, companheira ou não da mãe biológica, não cede genes nem mitocôndrias, apenas o local de incubação. 2) O regulador, segundo a notícia, nunca chama "duas mães biológicas" às duas mulheres intervenientes. Poderão, eventualmente, ser duas mães legais, mas só uma é biológica.

Coisa diferente é quando, como se noticiou há meses já ser possível, o núcleo da célula feminina é retirado e introduzido num ovócito desnuclearizado para evitar a presença das mitocôndrias oroginais. Neste caso o óvulo terá material genético de duas mulheres, embora de uma seja apenas o material mitocondrial, que tem muito menor intervenção nas características do ser que virá a nascer. Aqui talvez se possa falar em duas mães. Mas, que eu saiba, esta técnica ainda é apenas experimental.

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