segunda-feira, 7 de setembro de 2015

O assunto

O assunto é o assunto do momento. E muito se tem falado sobre o assunto. Há, sobre o assunto, um discurso dominante politicamente correcto e que não admite desvios. Baseia-se nos valores da Europa e na solidariedade. E tem como corolários que a solidariedade não se discute, tal como no tempo de Salazar "a Pátria não se discutia", que com boa vontade, solidariedade e espírito de justiça tudo se pode resolver e que a responsabilidade de resolver o assunto é nossa, da Europa e de cada europeu em particular.

Ora há indícios suficientes para pensar que o assunto é mais complicado do que parece resultar do discurso habitual (ia dizer "do discurso oficial", mas parece-me uma classificação pouco exacta). Vejamos alguns exemplos do que diz Helena Matos sobre o assunto:

1) Ao contrário do que se possa pensar, os mais dependentes dos apoios muito frequentemente não são aqueles que os recebem mas sim aqueles que os distribuem e que não podem deixar de os distribuir porque isso seria o fim da sua razão de existir.

Os que prestam apoios aos carenciados prestam sem dúvida um bom serviço à sociedade em geral e aos carenciados em particular. E se esses carenciados são refugiados fugidos de um país em guerra, esses apoios são úteis e bem-vindos. Mas há algo que faz pensar quando os que prestam apoios pedem apoio para prestar apoios.

2) não tardará que, se o fluxo de refugiados se mantiver nos actuais níveis, passemos todos a imitar a Hungria.

No caso particular de Portugal, começou-se a falar de acolhermos 1500 refugiados (ou candidatos ao estatuto de refugiado?). Há poucos dias já se falava em cerca de 3000 e hoje aparece de surpresa o número de 4755. Tendo em atenção que continuam a chegar milhares às praias das ilhas gregas e centenas ao sul da Itália, temo que dentro em pouco aquele último número, apesar de tão preciso, não seja o último. Como a Síria tem 22 milhões de habitantes, mesmo que apenas uma pequena percentagem destes se decida a fugir à guerra e a procurar "uma vida melhor" na Europa, é de esperar que a corrente migratória continue ainda durante muito tempo e atinja dimensão tal que se tornará na prática receber todos os que o desejam, muito menos receber bem. Mas quando Viktor Orban o afirma, todas as boas almas se revoltam.

3) Por fim e para o fim, uma questão que se me coloca de cada vez que leio aqueles títulos sobre a vergonha que estes refugiados representam para a Europa. Lamento ir contra a corrente mas não vejo ali vergonha alguma para a Europa. Estas pessoas fogem para Europa. Revelam aliás uma noção muito clara dos sítios onde querem viver nessa Europa. Vergonha será sim para os dirigentes dos seus países. E também para os países muçulmanos. Por exemplo, quantos refugiados recebeu o riquíssimo Qatar? E o também fabulosamente rico Dubai? E a piedosa, islamicamente falando, claro, Arábia Saudita? Note-se que nem me interrogo se seria possível, equacionável ou sequer imaginável que esses países nos acudissem a nós, europeus, se um qualquer desastre nos obrigasse a fugir intempestivamente. Mas ao menos para estas pessoas que são muçulmanas, onde está o apoio dos países islâmicos?

Estas ideias vão contra o discurso dominante, mas devíamos pensar mais nelas.

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