domingo, 2 de março de 2014

E agora, Ucrânia

A evolução dos acontecimentos na Ucrânia levou este país, a região e o mundo a uma situação muito grave com perigo de guerra. E digo apenas "perigo" porque ainda não foi disparado um tiro. Não se deve portanto falar ainda de situação de guerra, mas de perigo de guerra, apesar de as autoridades de facto da Ucrânia dizerem que a Rússia declarou implicitamente guerra com os seus actos.

Mas o modo como os acontecimentos têm sido noticiados deixa muitas dúvidas sobre aspectos importantes, direi mesmo fundamentais. Em primeiro lugar: Foi atingido um consenso e, segundo creio, assinado um acordo a 21 de Fevereiro, com a mediação dos ministros dos Negócios Estrangeiros da França, Polónia e Alemanha, entre Iakunovitch e 3 líderes da oposição. Este acordo previa a antecipação das eleições presidenciais e mudanças na Constituição. Logo depois do anúncio deste acordo houve tiroteio na Praça da Independência que provocou vários mortos e o parlamento decidiu a destituição do presidente, tendo resultado a reviravolta que levou rapidamente às reacções que se conhecem. Ao que parece o tiroteio mortal não foi uma troca de tiros, mas sim foram disparos de atiradores furtivos não identificados. Parece que se tratou de uma manobra para desestabilizar a situação e evitar que o acordo entrasse em vigor. Quem a provocou? Não vi ainda esta questão ser esclarecida nem sequer posta claramente. Outra dúvida pertinente é se a destituição do presidente foi legal, se o parlamento tinha essa competência. Além disso não se sabe se a nomeação do presidente interino, a queda do governo que se seguiu e a constituição de novo governo e as outras mudanças tiveram qualquer base legal. O presidente deposto, Iakunovitch, diz considerar-se ainda o presidente legal e a Rússia defende a mesma posição. Terão alguma razão? A UE e vários países europeus assim como também Obama reconhecem as novas autoridades, mas não ouvi ainda justificações legais para este reconhecimento. Pode defender-se que se tratou de actos revolucionários e que a legalidade é uma legalidade revolucionária (como o nosso 25 de Abril, por exemplo, com a diferença de que a situação anterior na Ucrânia era formalmente de democracia), mas a reacção dos líderes ocidentais não foi a mesma noutros casos de golpes de estado que substituiram as autoridades noutros países (Vem-me a memória, por exemplo, os casos da Guiné-Bissau e do Egipto). Outra questão pouco falada (e de todo não falada nas televisões) é a das alegadas ligações de parte dos manifestantes ucranianos a movimentos da extrema direita. A ser verdade resta saber que real influência podem ter.

Para além das dúvidas legais, que se calhar até são só minhas por estar mal informado (e da Rússia), o caso é que a situação da Ucrânia, com guerra ou sem guerra, é muitíssimo grave. Claro que se houver guerra declarada, não há dúvida que será muito mais trágico, mas mesmo sem guerra, mesmo que se chegue a um acordo ou a uma situação de facto com alguma estabilidade, como esperará a Ucrânia resolver a grave situação financeira? O empréstimo que a Rússia tinha acordado e que, evidentemente, não será já concedido, terá de ser compensado de qualquer modo. Estará o FMI pronto para ajudar? E a que preço (austeridade, reformas, etc.)? A Ucrânia terá alguma possibilidade de viabilidade energética sem o gás da Rússia ou com o gás a preço de mercado? Será que os ucranianos estarão condenados a passar frio e a não terem electricidade? Estranho que estas questões não sejam levantadas, enquanto os noticiários repetem e repetem as mesma reportagens sem procurar mais explicações para aspectos tão importantes como estes.

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