segunda-feira, 21 de junho de 2010

Saramago, o escritor e o homem

Admito que Saramago pode ser considerado um grande escritor, que os seus livros podem ser obras admiráveis e que portanto deve merecer a admiração e a homenagem dos portugueses. Admito, mas não comungo dessa opinião. Li o Memorial do Convento e gostei. Comprei O Ano da Morte de Ricardo Reis, que tentei ler, mas não consegui passar das primeiras páginas. As restantes obras simplesmente não me interessaram pelos assuntos tratados. Mas admito que pode ser defeito meu. Portanto não critico o Prémio Nobel nem os elogios que ontem e hoje ouvi repetidos por tantas vozes. Já como homem, não comungo das palavras de admiração. As suas opiniões sobre demasiadas coisas, a começar pela sua ideia de sociedade e de nacionalidade, estão nos antípodas das minhas e certamente da grande maioria dos portugueses.

Mas para além destas considerações, mesmo que se trate de um escritor genial, parece-me que houve exageros na homenagem prestada, incluindo a declaração de 2 dias de luto, a representação oficial e principalmente o tratamento dos meios de comunicação. Eu que achava lamentável que ao ligar a TV só conseguisse ouvir falar do Mundial de Futebol, hoje só ansiava que chegassem ao fim as notícias tantas vezes repetidas do funeral de Saramago, mesmo que fosse para falarem de futebol.

Mas o que mais ridículo achei foi a alegada polémica sobre as ausências no funeral. Razão tem Pinho Cardão no Quarta República: "Não seria pois sustentável que os dois mais altos representantes da República estivessem pessoalmente presentes na despedida de alguém que preconizava o fim do Estado português e da República, integrando-o na Monarquia espanhola.
Cavaco Silva e Jaime Gama honraram as suas funções institucionais. Fizeram o que devia ser feito perante quem, deslocando a soberania, acabava com as funções. Denotaram sentido de estado. Mas, de forma idiota, são vergastados pela opinião publicada. Acontece que o pesar pela morte não pode tudo esquecer.
Cavaco Silva e Jaime Gama compreenderam bem a situação e agiram de forma irrepreensível.
"
Haja que tenha a coragem de o dizer, mesmo contra a corrente.

3 comentários:

Ariete Nasulicz disse...

Gosto muito do Saramago, muito mesmo. No entanto, não acho que todas as pessoas devam compartilhar da mesma opinião sobre algo ou alguém. E admiro aqueles que, em épocas de grande comoção, têm a coragem de expressar uma opinião adversa do que pensa a grande maioria. Senti algo parecido quando da morte do ídolo pop Michael Jackson. Parecia ser proibido não simpatizar com o cantor. Fui hostilizada por alguns amigos que acharam um absurdo eu não partilhar do mesmo sentimento que eles. Impossível separar o homem de sua arte, não é mesmo? Mas, mais impossível ainda é fazer vistas grossas às excentricidades das celebridades, como se fossem deuses que pairam acima dos homens... Saramago ganhou minha admiração tanto quanto o poeta Pessoa... pois a existência é algo tão difícil e as reflexões de alguns seres iluminados, como esses portugueses, ajudam-me a torná-la mais suportável... eis o grande mérito de todo pensador que se atreve a pôr no papel a sombra que dentro o habita...
grande abraço

Pinho Cardão disse...

Desvanecido pela citação, caro Freire de Andrade.

Freire de Andrade disse...

Cara Arye,
Gostei do seu comentário. Embora não estejamos em sintonia sobre Saramago, concordo com o que diz sobre as opiniões contrárias às da maioria. No caso do Michael Jackson tive exactamente a mesma opinião. Mas não fui hostilizado, talvez porque na minha idade seja mais natural não apreciar o estilo do cantor.
Um grande abraço