Não creio que gostar de futebol já seja obrigatório. Também não me parece que mesmo quem goste de futebol, o que não é raro, tenha obrigação de apreciar as numerosas transmissões de discussões, comentários, debates, discursos, reportagens e transmissões de eventos futebolísticos. É natural, portanto, que quem goste de estar informado e dê prioridade às informações que podem ter maior influência no seu modo de vida não tenha ficado particularmente contente com a cobertura em directo e demorada simultânea em todos os canais de TV generalistas e de notícias (excepto se considerarmos a RTP2 generalista) da apresentação de Cristiano Ronaldo no Real Madrid. Não que a notícia não tenha importância e não mereça algum relevo, mas ter 6 canais ocupados com o assunto ao mesmo tempo e em detrimento das restantes notícias parece exagero. Os que pensam assim podem ser uma minoria, mas não merecem o ataque que André Macedo (AM) faz em "As fintas de Cristiano e as fintas dos moralistas" no i de hoje.
Não, não me considero um dos "moralistas do costume", mas é bem certo que fui dos que "criticaram as televisões portuguesas pela cobertura em directo da apresentação" e dos que "Não gostaram do tempo ocupado nos telejornais, talvez por considerarem o assunto menor e o protagonista demasiado rasteiro", como declarei neste blog. Neste talvez é que não me revejo, mas será que todos os assuntos que não são menores e cujos protagonistas não são rasteiros merecem tal relevo informativo?
Também talvez me enquadre no que AM designa como "estas luminárias" e "grupinho desconfiado que gosta de se misturar com os intelectuais – apesar de inteligência e sabedoria mostrarem quase nenhuma", embora não tenha propriamente "asco" a "tudo o que agrade e mobilize a maioria das pessoas". Mas confesso que muitas coisas (não tudo) o que mobiliza a maioria das pessoas me deixam indiferente ou mesmo me desagradem, como em concreto o futebol.
Agora AM exagera quando opina que os membros deste "grupinho", em que penso estar incluído, "tentam, em vão, fazer de Portugal um país ainda mais apertado". Tem porém razão quando afirma que os "estes valores não matam ou esmagam os outros. Podem coabitar. Devem coabitar. Futebol e cultura, educação e diversão – tudo tem o seu espaço e o seu tempo, sem sobranceria nem repugnância." Só que neste caso não houve propriamente coabitação, houve uma preponderância quase exclusiva da notícia futebolística em detrimento das restantes.
É completamente diferente o registo de Paulo Tunhas que se refere a assunto afim (no fundo ao mesmo assunto, só que em vez da apresentação de Ronaldo fala das eleições no Benfica), logo na página seguinte do i. Não poderia estar mais de acordo com o que escreve, especialmente quando conclui que "A atenção desproporcionada ao futebol menoriza, porque nos afasta ainda mais do já precário hábito de deliberar". É isso mesmo.
Sem comentários:
Enviar um comentário