segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Guterres

O coro de elogios a António Guterres, à sua personalidade e às suas qualidades levou-me a calar a fraca impressão que me tinha deixado desde que o conheci, há muitos anos, por razões profissionais, quando ele tinha um alto cargo no IPE. Colaborei nessa altura num projecto de investimento em Portugal por parte de um grupo de um país nórdico e estive com ele em algumas reuniões e num almoço. Guterres era jovem e usava bigode. Já tinha fama de um técnico importante, mas pareceu-me antes uma pessoa vaidosa e pouco realista. Na verdade o projecto não foi por diante por evidente falta de condições. Mais tarde, quando Primeiro-Ministro, não melhorei a impressão negativa que tinha. Como Alto Comissário para os Refugiados não tive ocasião de formar opinião sobre a sua acção, já que os meios de comunicação se limitaram a mostrá-lo em diversas ocasiões sem dar a conhecer a sua estratégia para o cargo ou os resultados da sua acção. Mas agora, perante tanto entusiasmo patriótico e o que me parecia uma absoluta unanimidade a favor da sua ascensão ao topo da ONU, cheguei a duvidar de que eu estivesse enganado e fosse afinal merecedor de tantas referências positivas. A leitura de dois textos fez-me pensar que a minha apreciação estava afinal certa. Por um lado, Vasco Pulido Valente escreve:
"Agora que já acabou ou, pelo menos, se atenuou a campanha patriótica para a canonização de Guterres, talvez se possa olhar para ele com alguma tranquilidade e medida. Por acaso conheço a criatura. É um homem fraco, influenciável, indeciso e superficial. A crónica amnésia deste país fez desaparecer numa semana de glória o péssimo governo que ele dirigiu; um governo que estava sempre em crise porque o primeiro ministro avançava, recuava, não era capaz de resolver nada de uma vez para sempre e, como disse Medina Carreira, caía em terríveis transes de angústia quando tinha de dizer “não”. Esse é o Guterres de que me lembro e não me parece a encarnação de um grande diplomata. Quanto ao resto, o católico a roçar o beato, cheio de amor pelos pobrezinhos, também não me entusiasma: a ONU não precisa de uma nova versão de Sta. Teresa de Calcutá." Por outro, Maria João Marques diz:
A habilidade guterrista para as contas públicas, por exemplo, não está ao alcance de qualquer um. Só mesmo um génio como Guterres consegue espatifar as contas públicas numa conjuntura económica tremendamente favorável. Em meia dúzia de anos, com crescimento económico robusto, situação internacional favorável, receitas fiscais a jorrarem viçosamente para o orçamento de estado e juros da dívida pública a caírem com a adesão ao euro, Guterres teve o mérito de não só não cumprir nenhum dos critérios orçamentais do pacto de estabilidade e crescimento, como ainda foi virtuoso a ponto de nos conduzir a uma situação de défices excessivos. Tal capacidade destrutiva é, de facto, um talento escasso mesmo no político típico português.
Os amigos de Guterres. Temos a agradecer ao atual secretário geral da ONU ter trazido para a política estadistas gigantes da estirpe de Sócrates (tão polivalente que é agora também intelectual de gabarito prestes a lançar o segundo livro) (ok, podem tirar uns momentos para gargalhadas) e de Armando Vara (que na CGD e no BCP emulou a arte de Guterres para as contas públicas).
Parece que afinal eu não estava só.

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