Um dos maiores perigos da adopção do acordo ortográfico (que continuo a escrever com minúsculas, visto não lhe atribuir importância de maiúsculas, isto para não lhe chamar Aborto Ortográfico ou Desacordo Ortográfico) é uma possível e até talvez provável deriva de pronúncia como consequência da anulação das consoantes não pronunciadas que marcam vogais abertas que não pertencem à sílaba tónica (como em actor - ator, por exemplo). Temo bem que, com o tempo, haja tendência para vir a pronunciar estas vogais como mudas, alterando não só a ortografia, mas a própria pronúncia, o que em muitos casos pode dar lugar a confusões. Acontece que existem muitas palavras com terminação semelhante, mas que não possuem a consoante não pronunciada e em que a respectiva vogal é muda, diferentemente das palavras em que o acordo manda agora suprimir a consoante.
Para melhor compreensão do problema, apresento em seguida um pequeno quadro com alguns exemplos:
ortografia actual segundo o a.o. palavras com terminação semelhante, mas em que a vogal anterior à sílaba tónica é muda
actor ator estivador, motivador
sector setor cobertor, regedor, devedor, corretor
corrector corretor idem
director diretor idem
preceptor precetor idem
directora diretora agressora, devedora,
preceptora precetora idem
acção ação formatação, motivação, colação, atribulação, filiação
facção * fação idem
infecção infeção tropeção, recessão, concessão
direcção direção idem
acepção * aceção idem
decepção * deceção idem
concepção * conceção idem
percepção * perceção idem
recepção * receção idem
excepção exceção idem
aspecto * aspeto coreto, carreto espeto, Gepeto, graveto
correcto correto idem
dilecto dileto idem
directo direto idem
espectáculo espetáculo hibernáculo, senáculo, tabernáculo
receptáculo recetáculo idem
baptizado batizado organizado, granizado
baptismo batismo fanatismo, tribalismo
factura fatura soldadura, formatura
respectivo * respetivo assertivo
objectivo objetivo idem
detectar * detetar secar
intersectar * intersetar estatelar
bissectriz bissetriz meretriz
actriz atriz nariz
* No Brasil conservam a consoante antes do c ou t, porque se pronunciam, mas não em Portugal!
Já basta certas pronúncias incorrectas que começam a ser frequentes não só entre jornalistas e outras pessoas, como vàcina por vacina (“a” mudo), béco por beco (pronúncia bêco). Mesmo antes do acordo era também frequente pronunciar “corrector” para designar quem trabalha na corretagem (de acções ou outros títulos de valores), quando quem faz corretagem é um corretor, quem corrige é um corrector. Se neste caso se tira o “c” as palavras passam a ser homógrafas e haverá inevitavelmente tendência para se tornarem homófonas, estabelecendo a confusão.
Se esta deriva de pronúncia se verificar, teremos uma autêntica “novilíngua”.
Sem comentários:
Enviar um comentário